Persistente, fresco e mineral…

Tão antigo como os 600 anos de história humana na ilha o Rum da Madeira está a ganhar fama internacional.

A companhia perfeita para um charuto; a estrela de um cocktail exótico; o ingrediente ímpar de uma aclamada poncha. Todos estes cenários têm em comum o Rum da Madeira.

Conhecido popularmente por aguardente-de-cana e consumido nas tabernas, puro ou como um dos ingredientes da tradicional poncha madeirense, o Rum Agrícola da Madeira viveu muitos anos longe dos olhos do resto do mundo. Hoje, assumido e divulgado como rum agrícola, surge como um tesouro escondido e transpõe as fronteiras da ilha.

Com características únicas no mercado, faz parte da fatia de 5 por cento do rum mundial produzido diretamente a partir da fermentação alcoólica do suco extraído da cana-de-açúcar. Os restantes 95 por cento são de produção industrial, a partir do melaço de cana-de-açúcar.

“Persistente, fresco e mineral”… Américo Pereira, sommelier madeirense que se tem empenhado na divulgação do Rum da Madeira pelo mundo, escolhe com facilidade as palavras que descrevem uma bebida que apela aos sentidos. É leve no corpo, mas ligeiramente doce no palato, com um grau alcoólico entre os 40% e os 50%. Com um aroma a cana-de-açúcar fermentada, as “notas alcoólicas pungentes” produzem na boca “uma agradável sensação de calor”. Já as notas vegetais e “frutadas tropicais”, com parecenças à manga e ao melão, agraciam a bebida com um toque exótico, explica o especialista.

Apesar de tradicional o processo de produção é moderno e recorre a máquinas, mas tem um carácter artesanal. Começa nos 155 hectares de cultivo de cana sacarina que existem na Madeira. Depois de colhidas as canas são prensadas para gerar o sumo fresco da cana-de-açúcar, “com um teor de açúcar alto” e que vai a fermentar. A última etapa do processo é a destilação em alambiques de cobre, resultando no Rum da Madeira.

Com um processo de envelhecimento único, os produtores mantêm a bebida em cascos de carvalho por longos períodos, o que lhe confere cores, aromas e paladares distintos. As barricas de madeira intervêm no processo “como um pulmão”, continua Américo Pereira. “A barrica respira, expande e contrai” conforme a temperatura. Este processo leva à evaporação de parte da água e ao surgimento da tonalidade mais escura e ao sabor mais herbáceo à medida que os anos passam. A cor varia desde o incolor, para um tom cítrico amarelado, transformando-se no dourado, topázio e topázio escuro. O produtor dita o tempo, a cor e o sabor, basta esperar.

A idade dita a classificação. O rum novo é guardado em cubas de aço inox. É incolor e o habitualmente usado na poncha. As categorias envelhecidas começam com três anos. A partir dos seis anos são os “Reserva”, com envelhecimentos que podem ainda ser de 9, 12, 15, 18, 21 e 25 anos, este último o “Grande Reserva Premium”.

Os engenhos que produzem rum já foram às dezenas e estão intimamente ligados à história e à economia da ilha. Hoje são apenas três: o Engenho Novo da Madeira, na Calheta; a Sociedade dos Engenhos da Calheta; e o Engenho do Norte, no Porto da Cruz.

A aposta na internacionalização do Rum da Madeira é recente. Foram necessários cerca de dez anos de discussão para que a tradicional aguardente de cana passasse a ter a designação oficial de “Rum da Madeira”. Atribuída a Identificação Geográfica Protegida (I.G.P), o produto tem de ter um mínimo de 37,5% de volume de álcool e o máximo 60%; tem de ser produzido na Região Demarcada da Madeira e Ilha do Porto Santo e a produção ser exclusiva da fermentação e destilação da cana-de-açúcar.

Américo Pereira acrescenta ainda que o Rum da Madeira encontra parte da sua identidade nas características da própria ilha: o clima, o solo e os métodos tradicionais e naturais de cultivo.

A qualidade tem garantido espaço nas feiras e concursos internacionais. E os resultados aparecem, como a Medalha de Ouro no International Spirits Challenge (ISC), um dos mais respeitados concursos de bebidas espirituosas do mundo, atribuída à “Branca”. Américo Pereira menciona ainda outras participações da produção madeirense: o festival Megavino, um dos maiores eventos internacionais de vinho e bebidas espirituosas; e o Salão Internacional do Sector Alimentar e Bebidas (SISAB), em Lisboa.

Na Madeira, onde durante anos se usou a expressão “aguardente”, já começa a ser usada a designação “rum”. E as utilizações estão muito para lá da poncha.

No Flair Spot, um bar irreverente na zona velha do Funchal, o rum é usado em coquetéis preparados em malabarismos constantes. Mas cada vez mais se bebe sem misturas, apenas pelo paladar tão caraterístico e o aroma a madeira.

O rum tem vindo a ganhar lugar à mesa dos epicuristas, num perfeito casamento com um charuto, a combinação indicada para desacelerar o tempo.