Passeios a pé: O outro lado da ilha

Longe dos carros e das estradas, das cidades e povoações a Madeira tem uma rede de percursos de beleza única onde só se chega a pé.

As sugestões que constam deste artigo devem servir de inspiração para o dia em que forem retiradas as restrições à liberdade de circulação. Para já colabore com as autoridades. Fique em casa! Ajuda o Mundo a vencer a Covid-19.

 

Um dos patrimónios humanos mais antigos da Madeira tem o nome de levadas. Estes canais, esculpidos nas rochas, começaram a ser construídos logo no século XV, nos primeiros tempos da colonização humana desta ilha. A função foi e ainda hoje é, o transporte de água de zonas onde é mais abundante, para outras onde existe em menor quantidade. Essa água sempre se destinou à irrigação de terrenos e ao consumo.

Uma das máximas associada à Madeira é a de uma terra onde água é coisa que não falta. A floresta tem excepecionais capacidades de captação da precipitação e a água que resulta desse processo é um dos mais valiosos recursos da ilha.

O aproveitamento turístico dos percursos destas levadas, que serpenteiam montes e vales, em locais onde a única forma de chegar é a pé, é bem mais recente. Mas percorrer estes caminhos, sobre escarpas e com vistas magníficas é, provavelmente, a mais antiga forma de turismo activo na Madeira, tão antiga como os dois séculos de actividade turística desta ilha.



As levadas representam visitas pela floresta Laurissilva, considerada Património da Humanidade pela UNESCO. Permitem perder-se pela flora endémica da ilha com árvores como o Loureiro, o Til, o Vinhático, o Barbuzano, a Faia, o Folhado ou o Pau Branco. Em lugares como o Ribeiro Frio, de onde partem várias possibilidades de percursos, a sensação é a de uma floresta encantada, de onde pode, a qualquer momento surgir uma fada ou um duende.

Nascido e criado na Madeira, as histórias dos percursos pedestres que atravessam a ilha foram crescendo comigo, até ao momento em que lancei pernas ao caminho na descoberta de alguns destes caminhos. Lembro-me do primeiro percurso que fiz, a vereda da Ponta de São Lourenço, que contorna a fascinante Baía D’Abra e culmina num retemperador mergulho final no Cais do Sardinha. O fascínio pelos passeios a pé chegou-me já tarde mas logo entendi a razão de tantas pessoas virem à Madeira, de propósito, para viver este tipo de aventura e descoberta.

Perante uma procura cada vez maior por este tipo de actividade, foi surgindo a necessidade de cuidar da manutenção das levadas, até porque algumas delas já não são usadas para o transporte de água. Essa manutenção levou à criação se um conjunto de percursos tidos como recomendados. São 30 no total, 28 dos quais na Madeira e outros dois na ilha do Porto Santo.
Mas o número de trilhos é bem maior. A diferença é que nem sempre estão assinalados, nem os percursos cuidados. A vantagem dos oficiais é que seguem uma sinalética uniforme, as distâncias, duração e dificuldade estão indicados e os principais pontos estão assinalados.


No total são 197,2 km de percursos recomendados, com características bem diferentes. E apesar de popularmente conhecidos por “levadas”, nem todos são, de facto, canais de irrigação. São também veredas e trilhos, no passado usados para pastoreio, ou para ligar pontos da serra, ou então como forma de chegar às montanhas, para busca de lenha ou outros recursos da floresta.

Em comum todos têm o facto de se localizarem em zonas com panoramas únicos, vistas impossíveis de apreciar de outro modo, onde não faltam quedas de água, floresta luxuriante, pequenas lagoas e desfiladeiros e uma atmosfera pura, de pleno contacto com a Natureza. A própria construção dos trilhos e levadas está de tal forma integrada na paisagem que parece mais um património natural, do que algo construído pelo homem.

O que muda é o tipo de cenário, ou o grau de dificuldade, assim como a distância. Em relação à distância, o percurso oficial mais curto é o Caminho Real do Paul do Mar, com 1,8 quilómetros e uma duração média de 1:20 horas. O mais longo é o do Caminho do Pináculo e Folhadal, com 15,5 quilómetros e com uma duração prevista de 6:30 horas.

Entre os mais longos estão também a Levada do Furado, com 11 quilómetros e o da Levada do Caldeirão Verde, com 13 quilómetros, se contarmos com a ida e a volta. Em alguns casos, não é possível começar num determinado sítio e acabar em outro, visto que o final do percurso não tem qualquer tipo de saída. Então é necessário voltar ao ponto de partida.

Estes passeios são uma atracção procurada diariamente por centenas de pessoas. Muitos optam por munir-se de um mapa, guia, ou aplicação móvel e aventurar-se sós ou em pequenos grupos, serra dentro. Outros recorrem a uma das muitas empresas que prestam serviços de transporte e acompanhamento por guias conhecedores e preparados.

A oferta das empresas baseia-se sobretudo nos percursos oficiais. Entre os mais procurados estão a Levada do Caldeirão Verde, a Levada do Rabaçal e das 25 Fontes, a Levada do Rei, a Vereda da Ponta de São Lourenço e a Vereda do Areeiro, que faz a ligação entre os picos mais altos da Madeira.


A Vereda do Pico do Areeiro representa o desafio de vencer uma distância de apenas 7 km, mas onde a dificuldade é acentuada pela orografia acidentada e pelos inúmeros degraus.Iniciando-se nos 1818 metros de altitude do Pico do Areeiro, o percurso desce até aos 1542 metros, para depois obrigar a uma subida até aos 1861 metros do Pico Ruivo, o mais alto da ilha.

Apesar do esforço o resultado vale a pena, com uma visão a toda a volta, a partir do ponto mais alto da ilha. Estar ali, no Pico Ruivo, é sentir-se quase a tocar os céus. E em dias em que as nuvens estão baixas, estamos mesmo, acima dos céus.

 

Artigo originalmente escrito em abril  de 2015.