Espumante Português

Os espumantes são talvez os últimos vinhos a sofrer da revolução de qualidade em Portugal.

Pouco a pouco o vinho português melhor ou, e agora está nas bocas do mundo. A certa altura parecia que os 15 minutos de fama já tinham passado, mas agora explodiu outra vez: com 3 dos 4 primeiros classificados no top100 do Wine Spectator para 2014, incluindo o primeiro lugar, a atenção do mundo está sobre os vinhos portugueses. As castas e os sítios sempre estiveram lá, as vinhas apareceram pouco a pouco, com grandes investimentos e melhorias baseadas em conhecimento mais profundo, e a enologia compareceu à chamada, com formação, contactos e estágios internacionais, experimentação, ambição.

Com as vinhas velhas a vincarem pouco a pouco o seu valor e as vinhas restruturadas a atingirem a sua plenitude, chegando a uma idade adulta onde começam a mostrar o seu potencial, este é o melhor momento de sempre para o vinho português. Definitivamente, o enfoque está todo na qualidade, e os tempos em que era a quantidade estão definitivamente ultrapassados.

Esta revolução teve muito de tecnológico, embora muito dessa vertente científica se tenha dedicado a perceber o muito dos métodos antigos que estava absolutamente correcto, e ancestralmente tinha sido descoberta a melhor solução para cada terroir. Assim, sucessivamente, os vinhos do Porto melhoraram, depois os tintos, depois os brancos, mais exigentes do ponto de vista da produção, a seguir houve a aposta nos rosés, e finalmente, chegámos aos espumantes, que incluem as dificuldades técnicas dos brancos e rosés, mas às quais acrescem os processos de espumantização.

O espumante exige um processo especial para adicionar gás e complexidade ao chamado vinho-base. Todas as fermentações libertam dióxido de carbono, e quando se produz uma segunda fermentação no vinho base num ambiente fechado, o gás não tem para onde escapar e é incorporado no vinho, gerando a bolha fina e cremosa a que se chama mousse. Quando este ambiente fechado é a própria garrafa, este método chama-se “clássico” e é o mesmo usado na região de Champagne. Entre as inovações tecnológicas que possibilitaram a grande melhoria dos vinhos portugueses está uma invenção portuguesa. A empresa de biotecnologia Proenol conseguiu há cerca de 2 décadas industrializar um processo de encapsular as leveduras responsáveis pela segunda fermentação.

Segundo a Proenol, esta substituição da adição de leveduras livres tem “enormes vantagens como a redução da mão-de-obra e do tempo de produção, eliminação da etapa de preparação do inoculo, a inoculação directa da levedura, bem como a remoção das leveduras poderá ser realizada rapidamente.” Na prática, graças a estas leveduras encapsuladas, a produção de espumante, que obrigava a um longo estágio em cave e processos morosos e caros de manuseamento, tornou-se assim muito mais rápido e barato. Mas, a que custo? Segundo Osvaldo Amado, enólogo principal da Dão Sul, nenhum, desde que os espumantes façam um estágio de no máximo 18 meses. Amado fez testes exaustivos durante os 15 anos em que trabalhou nas Caves Primavera, usa as leveduras encapsuladas desde o princípio dos anos 1990, e num universo de 400 mil garrafas a nuais sempre fez experiências de controlo de no mínimo 5%, ou seja, 20 mil garrafas.

As vantagens afirmadas pela Proenol são confirmadas por Osvaldo Amado. Além disso, o facto de a segunda fermentação ser mais lenta desenvolve aromas mais delicados, e a mousse tem bolha mais fina e persistente. A questão da remuage é fundamental, já que tem elevados custos de mão de obra. A remuage consiste em girar lentamente as garrafas enquanto se inclinam, para que as leveduras mortas se acumulem no gargalo, onde mais tarde o dégorgement as extrairá. Normalmente feita à mão em pupitres (prateleiras próprias), esta operação especializada leva 3 meses. Feita em giro-paletes e com maquinaria própria, leva 3 semanas. Com as leveduras encapsuladas demora 15 segundos e pode ser feita por qualquer pessoa, sem qualquer investimento em maquinaria. A partir dos 18 meses de estágio, as leveduras encapsuladas atrasam o desenvolvimento dos aromas e sabores do espumante

Com estágios mais longos, as leveduras livres são melhores para dar gordura e concentração, e as notas tostadas e de “pain grillé” que fazem as delícias dos apreciadores. Isto mesmo me foi confirmado por Orlando Lourenço, responsável máximo pelo grupo Murganheira e presidente da CVR Távora-Varosa. Segundo Lourenço, carinhosamente conhecido no meio por “Professor” (e suspeito que não só pela sua anterior carreira de docente), as leveduras livres permitem uma maior complexidade do vinho, e nas suas caves a segunda fermentação ocorre a 11ºC, o que a leva a demorar 120 dias. A temperatura é fundamental, já que cada 3ºC adicionais apressam a fermentação em 30 dias. A 11ºC, as leveduras têm mais dificuldade em arrancar a fermentação, é preciso cuidados técnicos adicionais, mas no fim só as melhores sobrevivem, o que assegura um processo mais completo, e uma maior delicadeza no resultado final.

Mas o Professor Orlando Lourenço nada tem contra as leveduras encapsuladas, antes pelo contrário. Desde que, naturalmente, a rotulagem seja adequada, e não use a menção “método tradicional” ou “método clássico.” É que o espumante resultante não tem a mesma complexidade nem a mesma longevidade, nem o gás atinge a mesma pressão, e o consumidor deve estar ciente disso. Uma enorme vantagem das leveduras imobilizadas foi que o processo enfatiza a qualidade do vinho-base, e isso levou os muitos produtores que usam o processo (cerca de 90% do mercado nacional de espumantes) a tomar cuidados adicionais nos vinhos que seleccionavam para espumantizar.

Foi esse o factor decisivo na melhoria generalizada dos espumantes. O pro cesso tornou-se mais acessível a produtores menos especializados, um pouco como o caso do café em cápsulas Nespresso. Já a Murganheira usa apenas o método tradicional com leveduras livres. Cada prensagem origina 5 mostos diferentes, e o preço relativamente baixo das uvas (cerca de 1€ por kg, em contraste com os 6€/kg da região de Champagne) permite usar apenas as m el hores componentes, sendo o resto vendido a granel, ou destilado.

A melhoria dos espumantes da Murganheira começa nos anos 1980, com o forte investimento nas vinhas e na exploração das castas, das leveduras portuguesas, e no afinamento dos processos tradicionais. As extraordinárias caves de granito asseguram uma temperatura constante de 12.3ºC ao longo de todo o ano, e o lento estágio completa o trabalho.

Livres ou imobilizadas por encapsulamento, a verdade é que se nota uma melhoria notória da qualidade geral dos espumantes. Neste momento em que chegamos ao Natal, faz-se grande parte das vendas e consumo de espumantes. Nada menos justo. O espumante é um vinho que merece ser bebido ao longo de todo o ano. Logo no começo da refeição, enquanto os convidados chegam, e depois ao longo dos primeiros pratos, com a acidez e a mousse delicada a limpar o palato e a contrapor as nuances da comida, da mais simples à mais desafiante. A variedade bruto tem uma adição mínima de açúcar, o que o torna mais adaptado à mesa.