A baía de Churchill

Winston Churchill pintou o cenário piscatório da baía de Câmara de Lobos, num dia que ficou para a história e que a cidade procura aproveitar.

Uma estátua junto a uma porta mostra o quanto a visita de um homem pode fazer por um lugar. A escultura representa Winston Churchill - o estadista britânico que nos primeiros dias de 1950 visitou a Madeira para promover a reabertura do Reid’s Palace Hotel após a II Guerra Mundial.

A 8 de janeiro, o antigo primeiro-ministro britânico dedicou-se a um dos seus passatempos favoritos: a pintura. Montou o cavalete e a tela e representou, a óleo, a baía de Câmara de Lobos. O local onde se inspirou ganhou o nome de Miradouro Winston Churchill e a presença do “homem que ganhou a guerra” passou a ser uma história contada aos visitantes.

Agora, esta ligação foi reforçada com a abertura de um hotel, o Pestana Churchill Bay, inspirado na figura do estadista britânico e sobretudo na sua passagem por Câmara de Lobos. E a presença não podia ser mais evidente: na escultura à entrada, ou nas reproduções da pintura nas paredes de alguns dos 57 quartos.

O hotel, o primeiro das Pousadas de Portugal na Madeira, foi construído no local da antiga lota e antigos paços do concelho, precisamente no recanto da baía captado pelos pincéis de Churchill.

A diretora, Célia Marques, conduz a Essential pelos dois edifícios, “um com uma decoração mais clássica e o outro com uma decoração mais contemporânea”. A visita leva ao terraço, onde o restaurante, o bar/lounge e a piscina gozam de um panorama único sobre os pequenos barcos fundeados na baía. “Temos a certeza de que este tipo de unidade e localização são a tendência. Sabemos que o turismo procura unidades mais pequenas, e não coisas em massa”, esclarece Célia Marques.

O relançamento da ligação entre Câmara de Lobos e Winston Churchill representa também uma aposta no turismo. Diariamente a cidade recebe centenas de visitantes que se deixam perder pelas ruas estreitas e pelo aroma a mar. Mas por falta de alojamento, ao fim do dia esses visitantes iam-se embora.

A pequena cidade, encaixada numa formosa baía, é um desafio aos sentidos e não só pelos restaurantes onde a cozinha de autor se mistura com os sabores tradicionais da Madeira, como o peixe-espada-preto, que tem aqui o seu principal porto de pesca.

Por aqui também se fica a conhecer a história da poncha, bebida tradicional da Madeira e que, reza a tradição, era inicialmente um exclusivo do universo dos pescadores câmara-lobenses. No Bar Agrela também se bebe uma ponchinha, um diminutivo que mostra o apreço popular pela bebida.

O que havia sido antes uma mercearia – e o exemplo repete-se um pouco pelos estabelecimentos das redondezas – é agora um bar onde se vende poncha, que o proprietário tão aplicadamente prepara. Servida no copo gelado, de forma a preservar a sua essência e frescura, é acompanhada por um petisco tradicional, a “Sapata”, popularmente conhecida por “Bacalhau de Câmara de Lobos”.



Mas por aqui se inventaram outras bebidas, como a Nikita, em 1985, criada pelo dono do pub Farol Verde, hoje a Casa do Farol. Saúl Basílio, um dos funcionários do bar, explica que o Farol Verde “vendia gelados e foi na base de várias experiências que nasceu a bebida”, feita com gelado caseiro de ananás, cerveja e vinho branco, servida com ou sem gelo. E como a bebida foi criada na mesma altura em que a voz de Elton John entoava Nikita pelo Mundo, o nome ficou.

Para além do paladar, Câmara de Lobos não deixa de ter o estatuto de uma das localidades mais antigas da Madeira, fundada na década de 1420 em terrenos que eram propriedade do descobridor da ilha, o navegador português João Gonçalves Zarco.

As armas do navegador decoram a fachada da igreja matriz, dedicada a São Sebastião e um dos locais a visitar, tal como a capela de Nossa Senhora da Conceição, a mais antiga da cidade.

Estas construções nada têm a ver com o contemporâneo edifício da biblioteca pública, na cave do qual a história dos periódicos publicados nestas ilhas é contada no Museu de Imprensa da Madeira. Ali encontram-se 48 máquinas de impressão e litografia, entre elas a gigantesca impressora de jornais do século XIX.

Mas esta vocação turística de Câmara de Lobos é coisa recente. Esta era uma terra pobre, de homens do mar, por onde os visitantes passavam para apreciar a beleza da paisagem, sem se demorar a conhecer.

Com 79 anos, Juvenal Fernandes, proprietário da Barbearia Eva, é uma testemunha de outros tempos. Sempre sorridente e aberto para a conversa, este barbeiro explica que desde a sua infância “a baía foi sofrendo grandes alterações”. Outrora dominada por mercearias e pequenas tascas, a vila é agora ocupada “por bares e restaurantes”, todos orientados para um mesmo fim: “a venda de mariscos, poncha e Nikita”.

A cidade muda, é certo, mas há tradições que se mantém e “a rua cheia continua” e vai trazendo pessoas. Apesar de o negócio já não ser o que era “vão aparecendo clientes de vez em quando, e muitos turistas a elogiar o espaço”, apinhado de objetos e móveis antigos. A Barbearia Eva é uma das mais antigas na Madeira, com mais de 100 anos.

Juvenal Fernandes partilha o espaço com dois papagaios. Um deles, tímido durante toda a conversa, soltou um bem alto e sentido “Olá!”. Uma despedida surpreendente!

 

 

Artigo originalmente escrito em julho 2019. Edição n.º 75 - agosto/setembro